quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Cartas da África

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                                                         [Liverpool, 6 ou 7 de Maio, 1916]

Queridos pais,


Após inúmeras dificuldades finalmente cheguei em Liverpool. Meu barco deverá sair daqui a três dias, o que me forçou a mandar este postal para vocês. A empresa pagará o postal depois de uns dias.

Eu ainda estou sobre pressão e mandarei notícias em breve.

Afetuosamente, Louis



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                                                [Liverpool, tarde de domingo - Maio 7, 1916]     
Minha querida Simone,

Ser forçado a passar o domingo em Londres já é motivo suficiente para um desastre, mas rapidamente se torna uma catástrofe quando as circunstâncias o obrigam a passa-lo em Liverpool.  

Você nunca poderia imaginar um lugar tão repugnante, tão imundo e tão religioso.
No entanto, por volta das 6 horas da tarde, possivelmente pela alegria ansiosa de ver este dia chegar ao fim, as diferentes seitas Protestantes saíram de seus retiros, folhetos voando, circulando por todas as direções da cidade ao som de hinos, que, devido às circunstâncias, davam uma vaga sensação de marcha militar.
Eles, então, finalmente, se estabeleceram em diversas praças para continuar com mais ardor do que nunca o agradecimento ao Senhor por ter fodido todos nós.
Eu tenho sido indiferente para este tipo de manifestação, mas estes de Liverpool são bastante peculiares, devido ao incalculável número de estivadores que compõem o estoque antigo da população que esperam o bar abrir as 8:30h e então matam a sede ao som de música sacra.
Verdadeiros profissionais, eles se espalham entre os crentes, contribuindo consideravelmente para a ressonância se não pela piedade - eu vi um, logo atrás de mim, que avidamente iniciou um Hino à Virgem no qual as virtudes físicas e morais desta eram repetidamente louvadas e então apareceu o adjetivo "bela", que ofereceu a oportunidade de sublinhar a palavra ao contemplar uma mulher perto dele, que parecia ter bastante conteúdo para apropriar-se dos atributos originais destinados para a mãe de Deus - que, como você pode ver, constitui um sentido ambíguo e angustiante.

                                Seu sincero,

 Des Touches

3

[Telegrama aos pais]                                              [Liverpool, quarta-feira, Maio - 10, 1916]

Embarco hoje: Destouches.



                                                            Serra Leoa [ Freetown, 25 de Maio, 1916]
Querido Pai,   

Nos últimos três dias eu fui pego por uma febre violenta - envie de minha conta-poupança 1.000 francos. Trabalharei com qualquer coisa em Paris para te pagar de volta, mas eu não posso ficar aqui, eu ainda estou em Duala. Escreva-me.

Afetuosamente,  Louis

C.F.S.O. Duala- 

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[Cartão postal para seu pai] [Freetown, 27 de maio, 1916]

Não diga nada à mãe. Irei mandar outro cartão postal para casa.
Essa febre violenta. Envie dinheiro para minha conta no Banco da África Equatorial. Não tocarei no dinheiro se conseguir aguentar. Perdoe-me, não é minha culpa. Dois mortos a bordo.

Louis

6

[Cartão postal para seu pai] [Freetown, 27 de maio, 1916]

Terrível calor.

Louis

7

[Cartão postal para seu pai] [Freetown, 27 de maio, 1916]

-está muito calor
Um cruzamento muito ruim
Com amor,

Louis

8

[Cartão postal para seu pai] [Freetown, 27 de maio, 1916]

Em quarentena.

L Des Touches.

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[Cartão postal para Simone Saintu]    [Freetown]

Estamos em quarentena.
Inferno.
Melhores votos,

Louis-

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                                            [S.S. Accra-Lagos, 02 de junho de 1916]

Meu caro Milon-

A experiência é conclusiva - Absolutamente não há futuro aqui, e não por falta de oportunidade comercial mas como resultado das condições climatéricas que são pura e e simplesmente abomináveis - Os Europeus consomem uma variedade enorme de alimentos, em parte devido aos excessos, mas também pelas situação sanitária. Qualquer vida saudável é impossível e só apenas com o custo de sua saúde que se consegue fazer algo aqui - Eu mesmo sofri um ataque abrupto de febre em Serra Leoa e não irei durar muito na África... nós iremos para Duala amanhã. Lá ficarei um ou dois meses para reparar os aspectos onerosos desta pequena experiência, tanto quanto possível - Se coloque em meu lugar e me deixe saber como as coisas estão. Se você souber de alguma oportunidade em Paris não se esqueça de mim.
A região é excessivamente rica e, incontestavelmente aberta para um grande futuro. Não há esperança para quem quer manter sua saúde num estado tolerável. 
Nada mais triste do que os rostos amarelos destes colonialistas. Apáticos, parecem consumidos pelos destroços de uma febre triste - e a vida lentamente os engole, como se fossem absorvidos por um sol que afoga tudo e infalivelmente mata tudo que tenta resistir.
Escreva para mim logo, não para a minha casa mas no endereço abaixo.

Louis des Touches 
     Elder Dempster Agency 
     Duala (Camerões) 
     África


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[Cartão postal para seu pai]                  [Lagos, 5 de Junho, 1916]

Deixando Duala, me sentindo um pouco melhor agora - ainda está muito quente

Louis-

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[Cartão postal para Simone Saintu]             [Lagos, 5 de junho, 1916]

Não é belo. Triste.

Louis-




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