terça-feira, 18 de março de 2014

Artigo: Voyage au bout de la nuit e a crise do realismo, por Daniel Garroux

Daniel Garroux* 


O romance Voyage au bout de la nuit, publicado em 1932, tem sido classificado pelos críticos como “picaresco”, “filosófico”, “de formação” etc. No que pese o valor dessas caracterizações, acredito que seja mais proveitoso partir da análise cerrada da obra para
depois tentar situar Voyage... em um contexto mais a mplo de questões. Para isso, tomo como ponto de partida as relações entre a posição do narrador e o estilo, ancorando as hipóteses interpretativas na objetividade do texto e adensando pouco a pouco o enigma que a esfinge celineana nos propõe.
Ao colocar seu leitor diante de um fluxo discursivo não-linear que emana de uma
consciência cindida por experiências traumáticas, a narrativa de Voyage...
subverte alguns dos pressupostos de que o gênero do romance havia se servido até então, como o tratamento ilusionista de tempo e espaço, o predomínio da função referencial da linguagem e a construção de personagens autônomas, dotadas de psicologia complexa. O romance realista do século XIX, em larga medida, apoiava-se sobre uma “consciência central”
(geralmente oculta sob a forma de um narrador em terceira pessoa) que organizava o
material empírico antes de transmiti-lo ao leitor. 
Em Voyage...a certeza dessa consciência central se encontra abalada, e o difícil processo de tentar recompor a experiência por meio da linguagem é exposto ao leitor.
Embora algo da mesma ordem tenha ocorrido na obra dos grandes romancistas do começo do século XX, como Joyce, Faulkner e Virginia Woolf, a narrativa de Voyage...
percorre via própria, e as eventuais semelhanças se originam menos de uma influência
direta daqueles autores sobre Céline do que do caráter comum das experiências históricas
sedimentadas nas obras, que, sob olhar panorâmico, condicionaram a crise do realismo e o
advento de um novo tipo de romance.
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*Mestrando do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP, bolsita do CNPq
Dissertação aqui:

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-14012013-120819/pt-br.php.

Um comentário:

  1. Olá, não sei quem é o autor (ou os autores) do blog, mas está de parabéns! Gostei muito de conhecer e, agora que conheço, vou passar a frequentar esse... sítio, como dizem os portugueses. Vocês tem feito traduções? Incrível como Céline é pouco estudado no Brasil, não? Principalmente na academia, as pessoas ainda se assustam quando dizemos que ele é um dos maiores escritores franceses de todos os tempos. Por que será? Escrevi esse artigo que vocês mencionam no post quando estava no meio do mestrado em Teoria Literária na Universidade de São Paulo. Em minha dissertação, tentei fazer uma leitura interpretativa do Voyage au bout de la nuit. A dissertação está disponível on-line, nesse link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-14012013-120819/pt-br.php.
    Infelizmente os ventos mudaram um pouco de direção e não estou mais estudando a obra de Céline, mas ainda espero voltar a ela. Estive recentemente num congresso em Nova Iorque e fiquei surpreso com o interesse que Céline ainda desperta por lá. De todo modo, a iniciativa é excelente, um abraço e boa sorte aos viajantes!
    Daniel Santos Garroux

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