sábado, 29 de dezembro de 2012

Céline Aprisionado

Por qual crime Céline foi detido e preso na Dinamarca de 1945 à 1947? O próprio escritor parece não ter compreendido...

(Cartas de Cárcere para Lucette Destouches e Maître Mikkelsen, 1945-1947.)

Eis o caso. Em Dezembro de 1945, em Copenhague (legalmente vieram da Alemanha em março, munidos dum Passaporte Alemão), Céline e sua esposa foram detidos pela polícia dinamarquesa. Um mandado, por Traição, foi lançado contra ele em Paris, em Abril, pouco antes da entrada das tropas francesas em Sigmaringen, onde, alguns meses antes, o escritor, sua esposa e seu gato Bébert uniram-se aos oficias do governo de Vichy e as milícias alemãs que haviam sido tomadas com o Marechal Petáin em sua derrocada no Agosto de 1944. Lucette foi libertada ao fim de dez dias.

Deixaram Montmartre, lugar em que viviam, no 17 de Junho de 1944, com a intenção de buscar refúgio na Dinamarca, onde Céline havia confiado suas reservas de ouro para um amigo. Antes da Guerra, ele converteu grande parte de seus direitos autorais em peças de ouro. Em 1942, foi à Berlin para entregar ao seu amigo a chave de seu cofre, que estava num banco dinamarquês. A posse de ouro por um estrangeiro era ilegal aos olhos das autoridades da Ocupação Alemã. Céline, então, "escondeu" seu ouro dos olhos alemães.  Essas reservas de ouro foram chamadas de "crianças" em suas cartas, quando discutia sobre o assunto. Constitui,  ao mesmo tempo que é essencial para sua sobrevivência, um segredo que o coloca dependente de seus agentes. Um deles é o Sr. Mikkelsen, que Céline tomou como advogado em 16 de maio de 1945, a fim de obter uma autorização para residir na Dinamarca, depois que o país foi libertado dos alemães por tropas inglesas.

França, naquele ano de 1945, a apuração do caso seguia em curso. Robert Brasillach é julgado e fuzilado; Pierre Drieu La Rochelle comete suicídio; o editor de Céline, Robert Denoel, foi assassinado nas ruas de Paris, por um desconhecido - o caso nunca foi esclarecido. Entre os líderes da colaboração, Philippe Pétain, voluntariamente voltou para a França, foi julgado e condenado à morte, Pierre Laval foi julgado e executado, o líder da milícia, Joseph Darnand, também; Marcel Deat e Abel Bonnard são condenados à morte por desobediência às autoridades.


                                                          BATALHA JURÍDICA

A presença ilegal de Céline em Copenhage foi denunciada por um informante anônimo. Sua prisão demandada ao governo dinamarquês por M. de Charbonniére, ministro Plenipotenciário da legação francesa na Dinamarca. Um pedido de extradição foi apresentado no dia seguinte. Toda a batalha jurídica vai avançar em torno das cargas contra Céline. Traição. Ajuda ao inimigo, anti-semitismo. Os dois primeiros podem levar à pena de morte. O anti-semitismo não. Céline então dita sua defesa ao Sr. Mikkelsen: ele jamais traiu seu país; pelo contrário, ele se envolveu em duas guerras; ele nunca colaborou com os alemães. A extradição iria entregá-lo aos torturadores, que o executariam sem julgamento algum - a depuração era um novo Terror. Paro o Anti-semitismo, é claro, ele escreveu panfletos patrióticos que clamavam, com uma certa veia "Rabelaisca", os judeus empurrados à uma nova guerra com a Alemanha; que não é a Alemanha que ele defendia - esta nova Alemanha ele odiava - mas sim seu país, que por meio do escritor, como ele tinha feito na primeira guerra, o deixou inválido em 3/4. Ele nunca pediu a morte de ninguém. Ele é inocente. Sua prisão foi uma injustiça. Um longo calvário imposto a um velho homem maldito por quadrilhas de escritores invejosos de seu gênio. Isto é tudo.

E eis, fora dessas cartas, o epílogo judicial: a Dinamarca acabou por recusar a extradição; Céline permanece encarcerado por um ano e meio em condições difíceis, trabalhando na enfermaria da prisão e em seguida no hospital, antes de ser libertado em junho de 1947, sob a promessa de não mais deixar a Dinamarca. Em fevereiro de 1950 ele foi julgado em Paris, na sua ausência. Assistido por seus dois advogados franceses Maître Naud e Tixier-Vignancour, ele apresentou sua defesa através de cartas enviadas diretamente para o Presidente do Tribunal de Justiça. Ele então é condenado a um ano de prisão, uma multa de 50,000 francos, degradação nacional, e seus atuais e futuros bens são confiscados pela metade. Essa condenação é confirmada mas depois perdoada em abril de 1951 pelo tribunal militar, levando em conta que Céline é um combatente veterano de 1914-1918. Em Julho de 1951 Céline e Lucette retornam a Paris. Sem ter entendido nada. A relação entre seus escritos anti-semitas e o genocídio sofrido pelos judeus, Céline nem sequer vislumbrava isso. O lugar da literatura, para ele, é fora da jurisdição. Os escritos não se vinculam à pessoa, e ele não foi o mentor do anti-semitismo. Inocente, portanto, jamais. E vítima, sempre. Mas quem fará justiça em seus livros...

O debate sobre a irresponsabilidade transcendental do grande escritor, logo tornou-se um foco clássico em referência à Céline, e essas cartas de cárcere não têm grande valor literário - ao contrário, são as cartas enviadas, retificadas pela admiração que ele as dedica,  ao seu editor Gaston Gallimard, que lançam uma vertiginosa comédia. Na Dinamarca, sob o olhar da administração, escreve um Céline deitado, entregue ao seu "choramingar" ( a palavra é sua, e que a julgar pelo tom de suas cartas que pedem perdão, por si só são soluços) um pobre rapaz propenso a explosões de ódio racial, com suas inspiradas declarações de amor à esposa, interrompidas por suspiros de reprimenda quando ela desperdiça infantilmente seu dinheiro, enfurecido quando tocam em seu ouro, remoendo sua defesa na qual ninguém acredita. O calvário, desta vez, são os celinianos que ele espera. Eles vão ter que ler esta correspondência que François Gibault já tinha lido e resumido no III Tomo de sua biografia, que ele edita com a precisão de um historiador e o zelo de um advogado aristocrata, que anuncia na primeira frase do seu prefácio: " Logo que está atrás das grades, todo homem digno de nome sonha com a fuga"  Céline, conquanto, imagina sua fuga em " Féerie pour une autre fois". Mentir, fabular, andar em marcha.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

<< Este mundo me parece extraordinariamente pesado>>

"Este mundo me parece extraordinariamente pesado com seus personagens apoiados, insistentes, chafurdando, presos aos seus desejos, sua paixões, seus vícios, suas virtudes, suas explicações. Pesados, intermináveis, engatinhadores, tal me parecem os seres, tontos, sofrem uma lenta insistência. Pesados. Eu posso finalmente classificar os homens e mulheres de acordo com seu <<peso>>. Eles pensam..."

Louis-Ferdinand Céline, Carta à Evelyne Pollet, 31 de maio, 1938.

E todas as mentiras são chamados...

"Mais tarde, o sujeito toma partido... se arranja com tudo... se satisfaz... e canta ainda mais... divaga... depois sussurra... depois se fecha... Mas quando o sujeito é jovem... é árduo. Ele precisa de vento! Festa! ... Eu lutei gentilmente contra ele, tanto quanto poderia... comemora em rigodanças...  festejos mirabolantes e mais e mais... embrulhados e exultados com cirandas tirulu-tirolá. Ai de mim! Eu sei que tudo rompe, cede, dá-se num momento qualquer... eu sei que um dia a mão tomba, larga do corpo. Eu vi esse gesto mil e mil vezes... a sombra... o peso dos mortos... E todas as mentiras são chamados! todos os convites enviados... os três golpes que rompam noutro lugar!... Ah!, farsa..."

Guignol's band II, 1964.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Céline imagina o ínicio e o fim de uma adaptação para cinema de Voyage au bout de la nuit:



(texto extraído da entrevista feita em 1° de Junho de 1961, por J. Darribehaude)


Bem, aqui está você. 14 de julho. Estamos na avenue du Bois. E aqui temos três parisienses um tanto atrevidas. Damas do tempo - tempo de Gyp. Aí então, pelo amor de Deus, nós ouvimos o que elas estão dizendo. E ao longo da avenue du Bois, ao longo da allée cavaliere, passa um general, seu aide de camp formando na retaguarda, a cavalo, é claro, a cavalo. Aí a primeira das damas, pelo amor de Deus, "Oh, veja só, é o general de Boisrobert, você viu?". "Sim, vi." "Ele acenou para mim, não?" "Sim, sim, acenou para você. Eu não o reconheci. Não estou realmente interessada, você sabe." "Mas o aide de camp é o pequeno Boilepere, oh, ele estava lá ontem, ele é impossível, não demonstre que você viu alguma coisa, não olhe, não olhe. Ele estava nos contando dos grandes exercícios em Mourmelon, você sabe! Oh, ele disse, isso significa guerra, eu vou partir, estou indo. " Ele é impossível, não é, com sua guerra... "
Daí você ouve música a distância, música de guerra, troando.     "Você acha mesmo, de verdade?"
"Oh. sim. querida, eles são impossíveis, com essa tal guerra. Esses desfiles militares à noite, o que você acha que eles se parecem? É lúdrico, é uma comédia. Da última vez. em Longchamps, vi todos aqueles soldados com caçarolas na cabeça, uma espécie de capacete, você não acreditaria, é tão feio, isso é o que eles chamam de guerra, fazer todos eles parecerem feios. Ê ridículo, na minha opinião, muito ridículo. Sim, sim, sim, ridículo. Oh, olhe, é o attaché, a Embaixada da Espanha. Ele também está falando de guerra, querida, é tão estarrecedor, oh, de verdade, estou tão cansada disso, faríamos muito melhor em ir a uma caçada e matar faisões. As guerras hoje em dia são ridículas, Deus do céu, é impensável, simplesmente não dá mais para se acreditar nelas. Eles cantam aquelas estúpidas canções, não mesmo, como Maurice Chevalier, na verdade ele é bem engraçado, faz todo mundo rir."
Então aí está você, sim, isso é tudo.
"Oh, eu gostaria muito mais de falar do carnaval das flores, sim, o carnaval das flores, estava tão bonito, tão encantador em todos os lugares! Mas agora eles estão indo para a guerra, tão estúpido, não é, é realmente impossível, não pode durar."
Bom, ótimo, aí temos uma pequena peça para começar, estamos na guerra. Bom. Nesse ponto você pode ir a Paris e mostrar um ônibus, há uma porção de planos formidáveis, um ônibus indo em direção ao Carrefour Drouot, num ponto o ônibus se põe a galopar, é engraçado de se ver, o ônibus de três cavalos da linha Madeleine-Bastille, sim, filme essa tomada lá. Bom, certo. Nesse ponto você sai para o campo. Use as paisagens de Voyage. Você vai ter que ler Voyage de novo - que aborrecimento para você. Vai ter que encontrar coisas no Voyage que ainda existem. A passage Choiseul, certamente você vai poder usar essa. E haverá Epinay, a subida para Epinay, essa ainda vai estar ali para você. Suresnes, pode usar essa também, embora já não seja como antes... E você pode filmar as Tulherias, e a Praça Louvois, a ruazinha, precisa dar uma olhada nisso, ver o que se encaixa nas suas idéias.
Aí há a mobilização. Muito bem. Nesse ponto você começa a Voyage. Aí é quando os heróis de Voyage partem para a guerra - trecho do grande filme. Vai precisar de um bocado de grana para isso...
Então o fim.
Estou lhe dando uma passagem de sonho aqui, então talvez você possa mostrar um pouco do interior do Meuse, aliás, foi ali que eu comecei na guerra, um pouco de Flandres, bom, excelente, você só precisa olhar para isso, é bastante evocativo, e aí, bem suavemente, começa a deixar o  ruído das armas ir subindo. O modo como se sabia da guerra, o modo como as pessoas de 14 sabiam da guerra era o tiroteio, de ambos os lados. Era um BLOM BELOLOM BELOM retumbante, era um moinho, demolindo a nossa época. Quer dizer, você tinha a linha de fogo ali na sua frente, era ali que você ia ser varrido do mapa, era onde todos eles morriam. É, e o que você devia fazer era subir até lá com a sua baioneta. Mas para a maior parte isso significava tiros e chamas. Primeiro os tiros, daí o fogo. Cidades pegando fogo, tudo pegando fogo. Primeiro os tiros, daí a carnificina.
Mostre isso da melhor maneira que puder, é problema seu, resolva-o. Estou confiando no pequeno Descaves, ali. Você precisa de música para acompanhar o som das armas. Uma espécie de música sinistra, uma espécie de música profunda, wagneriana, ele pode conseguir isso nas bibliotecas de música. Música que se encaixa em tudo. Bem poucas falas. Bem poucas palavras. Mesmo para a grande cena, mesmo para os trezentos milhões. Tiroteio. BELOMBELOLOMBOM, tactactac. Metralhadoras - eles já as tinham então. Do mar do Norte à Suíça havia uma faixa de quatrocentos e cinqüenta quilômetros que nunca parou de mascar homens de um lado para o outro. Sim, ah, sim, assim que um cara chegava lá, dizia: Então é aqui que acontece, é aqui que é a matança, é? Foi ali que todos nós nos massacramos uns aos outros. Não era sonho, aquilo! Um milhão e setecentos mil morreram bem ali. Mais do que uns poucos. Com retiradas, ofensivas, retiradas, cada vez mais estrondosos BOBOOMS, armas grandes, armas pequenas, não muitos aviões, não, você pode mostrar um avião vagamente, mas não havia muitos, não, o que nos aterrorizava era o tiroteio, puro e simples. Os alemães tinham grandes armas e foram uma grande surpresa, pois o exército francês, os 105, nós não tínhamos nenhuma. Certo. E bicicletas que você dobrava ao meio e guardava.

Então, para terminar a sua história, Voyage, veja, termina, bem, termina da melhor maneira possível, hein, mas ainda, há um fim, uma conclusão, uma assinatura depois de Voyage, uma realmente igual à vida. O livro termina em linguagem filosófica, o livro sim, mas não o filme. Aqui é como é para o filme. Esta é uma maneira como eu vi o fim, assim: Há um camarada velho - penso nele como Simão - que cuida do cemitério, o cemitério militar. Bem, ele está velho agora, tem setenta anos, está acabado. E o diretor do cemitério militar, o curador, é um homem moço e fê-lo saber que é hora de ele se aposentar. Ah, de qualquer modo, é o que eu mais queria, não posso mais andar por aí. Porque você entende, construíram-lhe uma pequena cabana, não longe de Verdun, você sabe, uma cabana, então essa cabana, essa espécie de cabana Nissen, ele a transformou num pequeno bar ao mesmo tempo, e tem um gramofone, mas, de verdade, um gramofone da época, sim! Então, nesse bar, ele serve bebidas às pessoas e fala, sabe, conta a sua história, conta-a para um monte de pessoas, e você vê o bar, e gente entrando, muita gente costumava vir, e não vem mais, para visitar os túmulos dos seus queridos desaparecidos, mas depois de todas essas tumbas dos queridos desaparecidos ele se sente bastante velho, hein, e lhe custa um bocado de trabalho chegar até lá, tanto trabalho que ele não vai mais, ele mesmo, porque diz: Estou velho demais, eu não posso, não posso me mexer. Andar três quilômetros por cima daqueles sulcos, trabalho desgraçado demais, é, impossível, eu voltaria morto, voltaria mesmo, estou acabado, acabado, estou sim. E tem uma chance de dizer isso porque o diretor do cemitério encontrou alguém para ficar no seu lugar. E quem é esse alguém que vai ficar no seu lugar? Eu lhe digo É... são armênios. Uma família de armênios. É o pai, a mãe e cinco crianças pequenas. E o que é que eles estão fazendo ali? Bem, tinham ido para a África, como todos os armênios, e tinham sido chutados de lá, e alguém lhes disse que eles podiam ir e se esconder mais ao norte, eles encontrariam um cemitério e um camarada bem a ponto de se aposentar, e eles poderiam ficar com o seu lugar. E, ah. ele diz, isso é ótimo, porque os meninos estão doentes, a África é quente demais para eles, de qualquer modo. Então Simão os abriga. O guarda do cemitério. Está com seu gorro pontudo enfiado na cabeça e tudo mais. Bem, ele diz, você vai ficar com o meu lugar. Não vai ficar bem aquecido, porém. Se quiser fazer um pouco de fogo, há lenha para apanhar, embora a lareira seja apenas um velho fogão para a sua caçarola, e ele diz, eu, eu não posso durar mais, por causa de toda essa correria de cá para lá e de lá para cá. Costumava haver os americanos, nos velhos dias. Ainda há os americanos, também, lá debaixo, você vai ver, vai encontrá-los. .. Bem, vou lhe mostrar o portão pelo qual eles entram, não é longe, nem um quilômetro, mas não consigo mais fazer isso porque ele manca também, entende, ele também manca -, estou ferido, estou, oitenta e cinco por cento incapacitado depois de 14, isso faz uma diferença! Vou morar com a minha irmã. Que grande cadela ela era! Mora em Asnieres! Puta imunda, ela é! Diz que eu tenho que ir, diz que tenho, mas não sei se vou me dar bem com ela, não a vejo faz trinta anos agora, não mesmo, puta imunda ela era, deve ser mais puta do que nunca hoje em dia. Está casada, diz que eles têm um quarto, pode ser, não sei o que vou fazer lá, no entanto, não posso ficar aqui, posso?, não consigo fazer o serviço, não consigo. Não há muitos que o fazem hoje em dia, dois ou três deles ainda vêm, costumava haver muitos, costumavam vir em bandos, nos velhos tempos, em memória deles todos, os franceses e os ingleses, há todos os tipos enterrados ali embaixo, mas você vai ver, como eles me disseram, ah, ponha as cruzes de pé, sim, algumas caíram, é claro que caíram, o tempo faz a sua parte, as cruzes não ficam de pé para sempre, então eu pus as cruzes de pé da melhor maneira que pude durante bastante tempo, mas não vou mais agora, não, não, não dá, tenho que me deitar depois, entende, não posso, e deitar aqui não seria nada agradável, e não tenho ninguém comigo, então os visitantes vêm e, como acontece, uma boa mulher, uma americana, uma americana bastante velha, e ela diz, "Eu quero ver o meu velho amigo John Brown, meu querido tio que morreu, você não o tem por aí?" Ah, ele diz, está tudo nos registros, espere um momento, vou dar uma olhada, sim, vou lhe mostrar o registro, ali, e ele lhe mostra o registro e diz, Eu o guardei bem, está vendo, aí não podem dizer que não fiz isso, hein, agora vamos ver, Brown, Brown, Brown. Ah, sim, sim, sim, sim, sim. Bem, você sabe, está lá no cemitério Fauvettes, por lá, senhora, difícil de achar, é sim. Não, não, por favor, ele por  ali, com sua mulher e filhos, muito interessante, os terrenos são, eles porão tudo em ordem para você; e eu não posso, entende, não posso, eu lhe disse que não posso, não adianta, senhora, e acredite em mim se tentar ir até lá, eh, eh, deixe-me lhe dizer, encontrar onde ele está muito bem lá, no meu registro, mas já faz um longo tempo desde que fui dar uma olhada nele, no americano, é um caminho longo, dois quilômetros e meio pelo menos, não, não, deixe que eles façam, eles o farão. Posso lhe servir o que há, entretanto, suco de romã, limão. Ah, gostaria de uma xícara de café, ah, certamente, não se pode dizer não a uma xícara de café, vou lhe preparar uma xícara de café.                                            E ele lhe prepara uma xícara de café, está me entendendo, ele tem um faro para senhoras ricas. Bem, diz, está vendo, minha irmã, lá em Asnieres, aqui está o café, aceita um cafezinho? Sabe, isso me lembra, não tenho certeza se ela sabe como prepará-lo. Uma rameira, ela é, eu mesmo o digo. Eh, eu não sei o que vou fazer, não sei, no entanto, tenho que ir, tenho realmente que ir. Então aí está. Sim. Estou indo. Sim, estou mesmo indo, vou deixá-la com eles. Não tenha medo, agora (os outros estão começando a parecer assustados). Ah, não é muito aconchegante aqui, mas é só pôr alguma lenha e isso se aquece, isso não é problema. Ah, você vai ver, não é brincadeira, por aqui. Que tal um pouco de música. Ah, era bom, o gramofone que havia, muito bom, ah, sim, um dos velhos tempos, era, era um... E ele tira fora um de dar corda e eles tocam os discos dos velhos tempos, mas realmente dos velhos tempos, eh "Viens poupoule", "Ma tonkinoise" - aí está, está vendo, é melhor com isso ligado, não é, pode tocá-Ia durante todo o verão, pode sim, isso vai trazê-los para cá de novo, uma vez que tenham varrido um pouco esse lugar, está precisando, hein? Bem, madame, está voltando, é? Indo para  Paris, é? Tem carro? Bem, então, devo dizer, isso seria uma ajuda, ah, seria, imagine só, hein, voltando de carro...

domingo, 23 de dezembro de 2012

Ballet "Voyou Paul, Brave Virginie" - 1937


                                                                 La Mort de Virginie, gravura de Marcellin Legrand


Publicado pela primeira vez em 1937 dentro de "Bagatelles pour un Massacre", este Ballet foi reprisado em 1959 no Ballets sans musique, sans personne, sans rien, edição ilustrada por Eliane Bonabel. Com o subtítulo "Ballet-mime", este texto provavelmente foi escrito por Céline em 1936, na esperança de que seu Ballet fosse apresentado durante a Exposição Internacional de Artes e Técnicas realizada em Paris, de maio à novembro. Infelizmente, para o escritor, o Ballet (e todos os outros) foi rejeitado. Este fracasso afeta Céline ao longo de sua vida, que logo após escreve para Karen Marie Jensen:
"Eu sempre amei os dançarinos. Todo o resto é horrível para mim." (7 de Fevereiro, 1935).

                                                           ARGUMENTO:

Miserável Paulo, Admirável Virginia toma as personagens do romance (Paul et Virginie) de Bernardin de Saint-Pierre. A ação se situa em 1830 e, de acordo com a ordem cronológica do romance, começa pelo náufrago dos dois personagens numa ilha (1), em seguida, em um salão burguês (2) e depois num Porto (3) onde todos os demais personagens se reunem.

Paulo e Virgínia, naufragados na ilha, são trazidos à vida graças a bebida de uma bruxa de virtudes encantadoras. Paul abusa da poção e se transforma em um "miserável".
A próxima cena se abre em um salão burguês, onde casais familiares se divertem: Mirella e Oscar, o casal principal, acompanhados pela tia Odile e seu cão Piram. Um mensageiro entra, intervindo no andamento da festa, para anunciar o regresso de Paulo e Virgínia, que acabavam de chegar de barco no porto.
A bruxa acompanha o jovem casal. Todos dançam e entram em transe. Paulo encontra-se nos braços de Mirella. Não suportando isto, Virginia engole o frasco inteirinho da poção maldita. Paul vê ela abandonando a dança e se aproxima. Mirella, plena de inveja e ódio, mata Virginia com um tiro seco de sua pistola. A multidão se dispersa e o corpo de Virginia é esquecido. Apenas Piram, o cão, deita ao seu lado...

fonte: http://louisferdinandceline.free.fr