quinta-feira, 28 de março de 2013

Carta d'África

Minha querida Simone,                       [29 de Outubro, 1916]

Já se passaram exatos dois anos desde o dia em que fui ferido. Lembro-me que, naquela época, não havia trincheira de comunicação entre a primeira linha de trincheiras e o posto de comando. Após o anoitecer você poderia ficar horas tateando até encontrar o posto de comando, já que naturalmente não havia iluminação para mostrar-lhe onde estava. 
Nós costumávamos chamar isso de "protegendo as vacas".
Eu estava "protegendo as vacas" quando o meu número foi chamado.
Hoje é domingo, e vou aproveitar para anunciar que detesto qualquer tipo de trabalho.
Nasci ocioso e adoro preguiça.
Eles alegam que o trabalho enobrece o homem, mas eu digo que o torna vil.
Correndo o risco de errar fora da amoralidade, eu proclamo que não sou obrigado a ganhar minha vida, eu gostaria de não fazer nenhuma maldita coisa, nada e nada.
Como é domingo, vou te recontar um pequeno conto que talvez você já conheça-
Um dia o Bom Deus estava andando pelos Bálcãs- Ele encontra um nativo que parecia um tanto ofendido- e pergunta "o que acontece, amigo?" -Silêncio-"Bem, eu lha darei o que você quiser e para provar que sou bom à todos, seus vizinhos receberão o dobro do que você pedir" - "Neste caso," disse o Bálcã, "me deixe cego de um olho".
Aí está você -E ainda, porque é domingo, vou lhe dar um pequeno problema para resolver. Você já deve ter sido convidada a resolvê-lo antes. Duas vacas num prado verde - uma delas é branca, magra, só pele e osso - A outra é negra, couro brilhante - gorda e radiante de saúde. De repente,a enraivecida e furiosa vaca branca pula na pobre, plácida vaca negra, e espeta com o chifre sua bunda. E agora, qual das vacas poderá dizer "eu tenho chifres na bunda"?

Destouches.

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