sábado, 19 de janeiro de 2013

A casa que vislumbramos atrás do portão enferrujado


Está escrito em letras grandes na caixa de correio: <<Destouches>>. Sem dúvida a casa que vemos atrás das barras do portão enferrujado é da viúva de Céline. O tempo a congelou desde a morte do escritor no 1º de Julho de 1961. Marie-Ange, a guardiã do templo, recebe visitantes mesmo com seus 96 anos, é chamada de "madame". "Você pode passear pela casa, se quiser". A neve range sob os pés. A árvore deixa cair os cachos e a casa é coberta por heras. Logo após a grande janela do andar térreo, um papagaio branco olha fixamente para os intrusos. Este é Toto, "A madame o encontrou 35 anos atrás em um dos bosques de Meudon, assim como Céline" diz Marie-Ange. Madame dorme no primeiro andar, no quarto onde seu marido morreu. Por lealdade, ela jamais quis sair daquele quarto. O olhar estremecedor entre os dois remonta à 1936. Ela tinha 23 anos, ele 41. Ela era uma dançarina sem o hábito da leitura, ele havia escrito Viagem ao fim da Noite. Céline, apavorado pela decadência da carne, tinha amado o rigor físico de Lucette. "O dia não passa sem que a madame fale amorosamente de Loius" sussurra a matrona. É como se o maldito de Meudon ainda vivesse  lá. Á sombra de uma árvore, arqueou sua figura, envolta numa camisola, e emerge atravessando o jardim. Nos fundos da casa,  o belo terraço tornou-se uma laje vulgar de concreto coberta de silvas. A banheira abandonada domina um amontoado de lembranças. As cadeiras de vime onde Céline costumava sentar estão caindo aos pedaços. Hoje, o que resta do gato Bébert descansa sobre um pinus. Um pouco mais adiante está a cadela Bessy, como Céline nos conta em De Castelo em Castelo. Há alguns anos  Lucette não deixa o seu jardim. O mundo de hoje lhe desespera. Desde o seu enclave, ela vela por fantasmas, monta a guarda para o tempo que passa...

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